“Se o líder não tem uma política externa clara, os meios de comunicação se encarregam de produzi-la e, por consequência, substituir o líder em ação.”
Noam Chomsky
"Não admira, por isso, que a fotografia, o cinema, o megafone, a telefonia, o telégrafo, a televisão tenham sido logo associados, desde os primeiros tempos ao campo militar. A história, senão a origem dos media, depende em grande parte da história das próprias armas.”
Adriano Duarte Rodrigues
Vietnam: a guerra e a mídia
Nos primeiros anos do envolvimento dos Estados Unidos na guerra do Vietnam (1955-1975) tudo era, segundo o historiador John Lewis Gaddis, “escondido e negado”. Correspondentes em Washington tinham acesso a dados que camuflavam a verdade. Os jornais, sem poder conciliar as informações passadas por Washington com as que procediam em Saigon, preferiam publicar a versão oficial. Os Estados Unidos não tentaram impor uma censura no Vietnam para solucionar seus problemas. Muito pelo contrário: foi montada uma verdadeira campanha de “Relações Públicas” para divulgar sua versão da guerra. Durante o conflito, jornalistas das mais diversas procedências foram convidados a visitar o país e a escrever sobre o que tinham visto. Tantas mordomias eram concedidas, que se viam com uma obrigação “moral” de gratidão, acabando por publicar exatamente o que a propaganda do governo americano desejava.
Houve, porém, uma famosa exceção à farsa da cobertura da guerra por parte do governo americano. Em cinco de agosto de 1965, uma reportagem de Morley Safer para a CBS mostrou fuzileiros norte-americanos queimando casebres de aldeia vietnamitas com isqueiros, despertando uma campanha (semi-oficial) por parte do Pentágono para desacreditar a reportagem da televisão e qualificar o correspondente como “impatriótico”.
Um segundo momento decisivo (e histórico) na cobertura jornalística da guerra, foi a invasão da embaixada americana em Saigon, pelo exército Vietcong, no ano de 1968. Dentre todas as Ofensivas do Tet, que ocorreram simultaneamente em toda região dominada e controlada pelos Estados Unidos no Vietnam à época, este ataque teve a melhor cobertura por parte da imprensa, conseguindo resumir para o mundo inteiro o que estava acontecendo no sudeste asiático.
Até então, a maioria dos combates no Vietnam eram noticiados após ocorrer ou, na melhor das hipóteses, se o confronto fosse muito longo e os repórteres conseguissem acesso, noticiando precariamente o que acontecia de dentro do campo de batalha, com enorme atraso e pouquíssima precisão.
População escala muro da
embaixada americana
em Saigon, hoje chamada de Ho Chi Minh.
29/04/1975. Foto: NealUlevich/AP
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Dentro da embaixada americana, no entanto, as linhas de comunicação eram ininterruptas. As matérias podiam ser enviadas rapidamente e a imprensa ainda tinha o fuso-horário ao seu lado: o ataque aconteceu em 30 de janeiro, mas ainda era dia 29 nos Estados Unidos. Nos dias 30 e 31, os EUA já tinham material escrito, em filme e fotografia. A primeira reportagem do ataque foi despachada cerca de quinze minutos após seu início. Enquanto os atacantes abriam com uma explosão o primeiro buraco na parede do complexo da embaixada, penetrando cada vez mais, os noticiários americanos já os descreviam como um “pelotão suicida”.
Após os militares americanos romperem o portão da frente, veio o corpo da imprensa, com câmeras para documentar a carnificina. A embaixada acabou retomada sem muita demora. Oito americanos e todos os integrantes do grupo atacante morreram. Foi, de fato, uma missão suicida, pois os componentes não haviam concebido nenhum plano para escapar.
O ataque, porém, teve um sucesso maior do que os norte-vietnamitas perceberam na época. Embora encarado como um fracasso militar, foi um sucesso de mídia. Sem conseguir explicar este tipo de guerra suicida, os agentes da inteligência americana concluíram que esse único aspecto bem sucedido deveria ser o objetivo da ofensiva – obter uma vitória de relações públicas.
A repercussão foi gigantesca. Atualmente, a ‘guerra’ aparece imediatamente na tela da televisão, na homepage do portal de notícias e no plantão radio-jornalístico. Mas isto era novidade em 1968 – a guerra nunca havia sido levada tão depressa para a sala de estar dos telespectadores. Os militares, nos dias atuais, também se tornaram muito mais experientes e competentes desempenhando um “controle sobre a mídia”, mas na Ofensiva do Tet, as imagens transmitidas eram das forças armadas americanas em meio a uma verdadeira carnificina, com cenas de soldados em pânico e morrendo.
É importante reforçar que, até o ano de 1968, a cobertura da televisão foi controlada em grande parte pelos militares norte-americanos, refletindo as intenções estatais de passar uma imagem onde os EUA estavam vencendo a guerra. Houve um enorme esforço por parte da mídia norte americana, desde o início do confronto, para fixar a imagem “do bem contra o mal”. Imagens de soldados morrendo no campo de batalha eram excluídas dos noticiários, cobertura que gerou na sociedade a impressão de uma guerra limpa, eficaz e tecnológica. O foco também raramente era voltado para questões como o enorme sofrimento de civis vietnamitas.
Após a ofensiva das forças revolucionárias vietnamitas, a atuação americana foi vista, por grande parte da sociedade, como uma “atuação desordenada, frustrada e custosa”. A imprensa passou a mostrar a “guerra ao vivo”, desencadeando um espírito de insatisfação nacional em praticamente todos os níveis da sociedade.
Reivindicações Civis
Soldado não identificado no EUA
tem escrito
em capacete: 'a guerra é o inferno'.
18/06/1965. Foto: Horst
Faas/AP
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Foi, portanto, a partir da cobertura feita pela mídia na guerra do Vietnam, principalmente nos anos de 1967 e 1968, que a sociedade americana teve acesso a real dimensão do envolvimento do país no combate. Essa exposição, até então inédita, gerou revolta em relação à guerra e trouxe para dentro do Estado uma situação de descontentamento civil e entre as elites. Na intenção de evitar um colapso civil interno, o governo americano atendeu a reivindicação civil e tomou medidas para uma solução pacífica do conflito, dando início a retirada de tropas, e a limitação de investimentos para investidas no território vietnamita.
A guerra americana no Vietnam não era única e, certamente, não era a mais repreensível do que inúmeras outras guerras. A guerra, no entanto, era travada por uma nação com poder global sem precedentes – os Estados Unidos da América. Em um momento histórico em que as colônias lutavam para se recriarem como nações, quando a luta anticolonialista tocava o idealismo das pessoas no mundo inteiro, o Vietnam se via como uma terra fraca e frágil, lutando pela sua independência, enquanto este novo tipo de entidade, conhecido como “superpotência”, despejava bombas e enormes contingentes de soldados em seu pequeno território. Tudo isto acontecia em um contexto de Guerra Fria em que o encolhimento do globo nunca mais será tão chocante.
A televisão é um meio que influenciou muito a população civil americana durante a guerra do Vietnam, na década de 60. A exibição de combates e da crueldade dos próprios militares americanos com os vietnamitas mudou radicalmente a relação que a opinião pública tinha com aquele conflito. Protestos internos foram responsáveis pela retirada dos militares da guerra do Vietnam. Hoje, aprendida essa lição, os americanos, antes de começar qualquer conflito bélico, promovem clara censura aos meios, principalmente à TV. Isso ocorreu na Guerra do Golfo (1990-91) contra o Iraque. As imagens dos bombardeios eram noturnas, reduzidas a clarões numa tela esverdeada.
Correspondente da CBS, Morley Safer, em sua famosa reportagem sobre os casebres de Cam Ne, 1965. Foto: CBS Photo |
O General Raymond Davis, condecorado combatente norte-americano que esteve presente na 2ª Guerra Mundial, na Guerra da Coréia e também na do Vietnam, ilustrou bem este cenário, em entrevista especial para a Discovery Channel: “Quando meus ouvintes diziam-me que aquela não era uma guerra popular, bem, eu não acho que haja algo como uma guerra popular. Certamente a II Guerra Mundial também não o era para muitas pessoas. Fico pensando se nós teríamos sobrevivido à Coréia. Imagino se teríamos sobrevivido como o fizemos, se tivéssemos câmeras de TV gravando cenas escolhidas e as exibindo em nossas salas de visita. As imagens exibidas nos levaram ao fracasso no Vietnam. De fato, como eu disse para algumas pessoas do meio jornalístico, essa foi a primeira guerra em que não houve censura noticiosa, o que nos arruinou. O meio jornalístico falhou completamente.”
No final dos anos 60, já era evidente o fracasso da ação americana, polemizada em sucessivas campanhas de pacificação nos EUA e em diversas partes do mundo. Com mais de um milhão de mortos e dois milhões de feridos, o “cessar fogo” só aconteceu em 23 de janeiro de 1973 e a retirada das tropas americanas foi concluída dois anos mais tarde, no dia 25 de março de 1975.
Apesar do fim da participação norte-americana na guerra que matou cerca de seis milhões de pessoas entre civis e militares de ambos os lados, o conflito no Vietnam não terminou em 1975. Sul-vietnamitas (que continuaram a receber apoio dos Estados Unidos) seguiram batalhando contra os vietcongs. Ainda neste ano, os vietcongs invadiram e tomaram Saigon, a capital do Sul, pondo com isso um final à guerra, da qual foram os vitoriosos. Para os Estados Unidos, a guerra do Vietnam representou um dos maiores confrontos armados em que o país se envolvera e, apesar disso, a maior decepção. A derrota nesse conflito gerou nos norte-americanos um trauma que perdura até hoje.
Bibliografia
ARBEX JR., José. A outra América: apogeu, crise e decadência dos Estados Unidos. São Paulo: Moderna, 1993CHOMSKY, Noam. O que o Tio Sam realmente quer. Disponível em [http://www.midiaindependente.org/media/2009/10/456172.pdf]
DISCOVERY CHANNEL. Insights: Guerra do Vietnam. Los Angeles, 2001
GADDIS, John Lewis. A História da Guerra Fria. São Paulo: Nova Fronteira, 2002
HERMAN, Edward S. in: CHOMSKY, Noam. A manipulação do público. São Paulo: Futura, 2003
JORNAL DO BRASIL. Hoje na história. Disponível em [http://www.jblog.com.br/hojenahistoria.php ]
KURLANSKY, Mark. 1968: O ano que abalou o mundo. Rio de Janeiro: José Olimpio,2005
GRUPO 1
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