Festival de Woodstock (1969)

Reflexos da contracultura

Felipe Batista
Gabriela Toledo
Giovanna Nichi
Guilherme Belluzzo
Kevin Assunção
Lucas Lúcio Esteves
Vinícius Teixeira


“Vamos todos vocês, homens grandes e fortes, o Tio Sam precisa da sua ajuda de novo, ele se meteu em uma terrível situação lá pros lados do Vietnã”, cantava Country Joe McDonald, na irônica música Feel-Like-I’m-Fixing-To-Die Rag, para aproximadamente 400 mil pessoas no maior símbolo da contracultura dos anos 1960, o Woodstock Music & Art Fair. O festival encerrou o final da década de paz e amor vivido pela nova geração, que deu as caras pelas primeiras vezes no Human Be-In e no Monterey Pop, ambos em 1967 em São Francisco, Califórnia, que marcaram a geração beats, no que ficou conhecido como “Verão do Amor” (Summer of Love).

Os três festivais foram inspirados no Jazz on a Summer Day, de 1958. Desta vez, de 15 a 17 de agosto de 1969, a subcultura hippie invadia a pequena cidade de Bethel, em Nova York, para presenciar na fazenda de Max Yasgur 32 bandas, a maioria de rock, o principal símbolo dos hippies, que representava exatamente as ideias de liberdade e de afirmação da vida.

Organizado por Artie Kornfeld, Joel Rosenmann, John Roberts e Michael Lang, o festival contrapunha-se à incompreensível Guerra do Vietnã. No ano interior, era anunciado a envio de 400 mil jovens soldados para os campos de batalha no país asiático, contra os Vietcongs. “Largue os livros e pegue a arma, vamos nos divertir muito”, continua Country Joe. “Pelo que estamos lutando? Não me pergunte, porque não estou nem aí, a próxima parada é o Vietnã”. Esta música retrata muito bem o clima hostil enfrentado pela juventude americana. Os 20 anos de guerra (1955-1975) custaram 27 bilhões de dólares anuais para os EUA, o equivalente a 80 milhões de dólares por mês, relatou o jornalista José Hamilton Ribeiro, enviado especial ao Vietnã pela revista Realidade.

Como escreveram o jornalista Joseph L. Galloway, que cobriu a primeira batalha no Vale Ia Drang, e o general Harold G. Moore, que comandou a 1ª Divisão da Cavalaria, os soldados eram as crianças dos anos 1950, que pagaram pelo compromisso do presidente John F. Kennedy, que dizia que os americanos lutariam a qualquer preço pela liberdade. A grande questão: o que significaria esta liberdade? Pelo contrário, essas “crianças”, concordando ou não com a guerra, portanto, sem liberdade para escolher, tiveram que assumir a responsabilidade pela qual recebiam cerca de 100 dólares mensais – um sargento de primeira classe, isto é, veterano, recebia 343,50 dólares por mês.

No público que participou dos “três dias de paz e música” estavam estudantes, artistas, trabalhadores, políticos e, obviamente, os hippies. Enquanto isso, os pais, ou melhor, o país, aguardava o encerramento do festival, sem notícias, observando os helicópteros da Guarda Nacional que passavam ou para transportar os músicos e jornalistas – um congestionamento imenso impedia que algumas atrações chegassem ao festival -, ou com oficiais, encarregados de levar alimentos (cedidos em parte pelos moradores da cidade) e garantir a saúde do público, com médicos do exército trabalhando voluntariamente, o que ressaltou o caráter de cooperatividade e união da nação Woodstock. Alguns desses pais estavam no festival, a trabalho, como foi o caso de um empregado da Port-O-San, que fazia a limpeza dos banheiros químicos. No documentário Woodstock (1970), ele conta que tem um filho no festival e outro no Vietnã.

Junto ao rock e aos ideais anti-guerra, estava a cultura de drogas, grande marca desta juventude, com o consumo predominante do LSD e da maconha. Timothy Leary, psicólogo estudioso desta nova cultura jovem, escreve no livro Flashbacks que Woodstock foi “uma demonstração convincente do poder agregador da geração do Baby Boom” (1946-1964), período em que houve 72 milhões de nascimentos nos EUA. O que explica isto é que os jovens, conforme Eric Hobsbawn, tiveram como símbolo “o heroi cuja vida e juventude acabavam juntas”, como Janis Joplin e Jimi Hendrix, que se apresentaram no Monterey Pop, que teve 200 mil pessoas, e no Woodstock.

Por outro lado, como explica Leary, a opção pelo uso das drogas por esta geração, baseado em seus ídolos, como a maconha, mescalina, ácido e cogumelos – presentes, em peso, nos três festivais -, além da busca pela paz transcendental, existia porque consumo de álcool e tranquilizantes juntos foram comprovados como os responsáveis pelas mortes destas personalidades.

Como dizia Hobsbawm, a “liberação pessoal e liberação social, assim, davam-se as mãos, sendo sexo e drogas as maneiras mais óbvias de despedaçar cadeias do Estado, dos pais e do poder dos vizinhos, da lei e da convenção”. De fato, os jovens compareceram ao Woodstock mudaram de certa forma as características de marginalidade e vagabundagem com que parte da população os viam, pelo menos de grande parte das pessoas envolta do festival, como os moradores locais e policiais. Por exemplo, a imprensa americana, como o The New York Times, caracterizavam o Woodstock como um dos únicos acontecimentos naqueles anos que não terminaram em tragédia.

Portanto, a cultura de drogas ganhou uma nova perspectiva com o festival. Possivelmente, foi o estopim para as discussões da legalização da maconha que é tão presente no século XXI, que tem como grandes símbolos da aprovação Washington e Colorado, nos Estados Unidos, e nosso vizinho Uruguai.

Na época, mais precisamente em 19 de abril de 1970, data do lançamento do filme do festival – vencedor do Oscar de melhor documentário -, o jornalista Craig McGregor escreveu artigo que refletia a posição do NY Times sobre o Woodstock. Segundo McGregor, este quase meio milhão de pessoas foi atraída pela ideia de família, que acreditava ser uma nova geração, cuja cultura punha o homem no centro do universo, e não o sistema, como era.

Conforme a visão do jornalista, esta época marcou o auge da sociedade mais avançada, materialista e bem informada até então. Por outro lado, apesar de avaliar a contracultura como viável, McGregor achava que a manifestação deveria ir mais longe: “Eu acredito que não é o suficiente mudar pessoas, você tem que mudar estruturas também”.

Em artigo publicado em 2009, o jornalista e crítico de música do NY Times, Jon Pareles, que esteve no Woodstock, descreveu o público, dizendo que “representava cooperação e mútua ajuda, e significava fazer amor, não guerra”, mas que muitos estavam lá para ficar chapados em um show de rock. Nessa época, os Estados Unidos eram divididos entre os “Falcãos” (Hawks), a favor da guerra, e os “pombos” (doves), contra. Curiosamente, no logo do festival tinha um pombo em cima de uma guitarra. Para ele, Woodstock “tornou-se livre em ambos os sentidos do mundo: livre como liberado (de roupas e de lei de drogas) e livre no sentido de grátis, sem recolher tickets e de distribuição" de comida e atendimento médico, por exemplo.

A liberdade do que vestir – quando vestiam alguma coisa -, refletiu de certa forma a cultura jovem americana que utilizava o blue jeans, como explicou Hobsbawm em Era dos Extremos. De acordo com o historiador, isto representava uma das formas de internacionalização da cultura dos Estados Unidos, e que prevalece até hoje. Cultura, aliás, que estava em declínio na questão da expansão para outros países, já que o cinema de Hollywood perdia espaço para outras produções, como a Europeia e a Asiática. Uma das ideias, que muito presente nas universidades, era a do rompimento com os modos de vestir dos seus pais, exemplo que correspondeu ao vácuo encontrado entre as duas gerações.

Outro legado do festival consistiu no rock, que existia desde os anos 1950, oriundo dos negros americanos, mas obteve um mercado maior, internacional. Como escreve Hobsbawm em A Era dos Extremos, este estilo musical difundia-se “através dos discos e depois fitas, cujo grande veículo de promoção, então como antes e depois, era o velho rádio”.

Partindo da mesma crença, Pareles disse que, “enquanto o resultado imediato foi maravilhoso e satisfatório, o legado em geral do festival tem muito mais a ver com excesso do que com idealismo”. Hobsbawm, em seu livro, e Pareles, no seu artigo, revelam a tese de que, após o Woodstock,  houve a afirmação de que valia investir neste mercado jovem, que revolucionava a indústria da música popular e de moda. Como exemplificou o historiador, “pode-se medir o poder do dinheiro jovem pelas vendas de discos nos EUA, que subiram de 277 milhões de dólares em 1955, quando o rock apareceu, para 600 milhões em 1959, e dois bilhões em 1973”.

Hobsbawm conclui que “a cultura jovem tornou-se matriz da revolução cultural no sentido mais amplo de uma revolução nos modos e costumes, nos meios de gozar o lazer e nas artes comerciais, que formavam cada vez mais a atmosfera respirada por homens e mulheres urbanos”.

Um dos legados desta revolução cultural presente até hoje, conforme Hobsbawm, consiste no “triunfo do indivíduo sobre a sociedade, ou melhor, o rompimento dos fios que antes ligavam os seres humanos em texturas sociais”. Uma revolução marcada pela aversão à guerra, pela liberdade de pensamento e de escolhas. Uma revolução que também contribuiu, de certa forma, para a internacionalização da cultura americana, a partir do rock e da calça jeans, que representaram uma reviravolta nas industrias fonográficas e de moda.

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